OVIDIO SARAIVA
( Piauí – Brasil )
Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, 1787-1852
O primeiro piauiense a incursionar no campo da poesia foi Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva. Nascido em 1786, na vila de S. João da Parnaíba, hoje cidade de Parnaíba, no norte do Estado, era filho de Antonio Saraiva de Carvalho e Margarida Rosa da Silva. Apenas completada a idade de seis anos, o que remete ao ano de 1792, os pais lhe mandaram estudar em Portugal, certamente morando na casa de familiares. É que o Piauí ainda não contava com escolas. Sobre esse prematuro afastamento do lar paterno, longe das brincadeiras entre amigos e dos afagos maternos, assim como a sofrida travessia do Oceano, aos dezoito anos de idade ele vai recordar: “Passaram três lustros e mais três anos/Que à estância dos mortais volvi do nada;/Mas bem que ainda não seja adiantada/Minha idade, sofrido hei já mil danos;//Além dos torvos mares desumanos,/Recebi dos meus pais a vida ervada;/E contando anos seis à Pátria Amada/Arrancaram-me os pais com vis enganos”. Vê-se nesse soneto um traço de revolta pelo afastamento da “Pátria Amada” ainda em tenra idade, o que marcou profundamente a sua personalidade. Assim, parece injusta a crítica de que só tinha de piauiense a origem do nascimento. A verdade é que embora gostasse da sua terra, sua formação se dera toda em Portugal.
Fragmento do texto de Reginaldo Miranda:
https://180graus.com/blog-literario/ovidio-saraiva-de-carvalho-e-silva-pioneiro-da-literatura-piauiense-446958
SILVA, Ovídio Saraiva de Carvalho e. Poemas. Estudo biográfico e atualização de textos de Fabiano de Cristo Rios Nogueira, Maria Gomes Figueiredo dos Reis, Maria do
Socorro Rios Magalhães, Maria do Perpétudo Socorro Rios Magalhães, Maria do Perpétuo Socorro Neiva Nunes do Rêgo. Apresentação de M. Paulo Nunes. 2ª. edição. Teresina, Piauí: Departamento de Letras, Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí, 1989. 213 p. 15 x 22 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda, doação do livreiro Jose Jorge Leite de Brito.
SONETO I
Apenas tristes, os meus olhos viram
O rútilo esplendor do Sol dourado,
Prenhes de raios, por meu negro Fado,
Nuvens os altos Céus logo cobriram.
Do Báratro os portões logo se abriram
A Brônzea chave de Plutão raivado;
E de pálidas fúrias bando alado
Rebentou sobre mim; males surgiram:
No palustro d´aflição Dragão imigo
Azeda os dias meus; mas me amargura
Negra lembrança de futuro p´rigo:
Oh! se tão brônzeo Fado assim atura,
Antes, antes, ó Campa, o teu abrigo;
Antes a noite sempiterna, escura.
SONETO XI
Que horrenda Solidão! os troncos tremem
Ao rábido empurrão de roucos Ventos;
De um lado, e de outro lado a noite atentos,
Sepulcros Mochos nas cavernas gemem.
Ondas ao longe solitárias fremem
Nos cavados rochedos corpulentos;
Tremem os montes aos Trovões violentos;
Uivam os monstros, que atros males temem.
Baços fantasmas pavorosos erram
Por aqui, por ali, na terra triste
Chovem mil Raios de alta mão tremenda:
Medos, que o mundo aterram, não me aterram:
Como já sobre a campa Anália existe,
É-me grato o pavor da noite horrenda.
SONETO LXVI
Basta, monstro cruel, cruel saudade,
Vipérea produção do horrendo averno;
Ou teu suplício ser costuma eterno,
Ou não eterno, e tem mais crueldade.
Se aposta fim com o fim da eternidade,
Seja o castigo mais suave, e terno:
Mas se tem fim tão carrancudo inverno,
Basta, monstro cruel, cruel saudade.
Há meio lustro, que me esmaga o peso
Das agras leis, que tu promulgas dura,
Ó do neto da espuma inferno aceso
Oh! se não mudas, dá-me a sepultura:
Vida com dor é digna de desprezo,
A morte, quando há dor, tem mais doçura.
ODE
Sobre, ó Marília, sobre os teus altares
De mil amantes corações mil ardem;
Vagas vermelhas de vermelho sangue
Há muito, que os ensopam.
Um férreo aspecto a vassalagem terna
De sincero amador soberba ostentas;
Aos ais, que a tua ingratidão lhe arranca,
De ser te jactas bronze.
Dos anos o botão nem sempre é virgem,
A mão rugosa dos tremendos anos
Soberba o abre, e mal o alcança aberto,
Torva o desfolha todo.
Hoje se a ternos, mil fiéis, amantes
Um só gemido teu, de amor em prova,
Se um só ai, por ti dado, aos Céus eleva,
O ser lhes eterniza;
À manhã, qual a ingente, idosa torre,
Que a mão provou dos alterosos séculos,
Ou qual ao Cedro, que acurvado ao Tempo,
Promete baque horrendo;
Ao teu medonho rosto,, já cunhado
Com a efígie fatal da idade curva,
Os amantes leais de pasmo absortos
Há de fugir medrosos.
Tuas fumantes aras, carregada
Do grato aroma de leais protestos,
Carregadas então verás com pasmo
De agros desprezos duros.
QUADRAS
1ª.
A Paixão que em mim se nutre,
Não tem força amortecida:
Afronta a mudez da Campa;
Tem poder além da vida.
2ª.
Perde a voz, desmaia, e morre
A paixão mais incendida:
Mas se amor lhe rege os voos,
Tem poder além da vida.
3ª.
Não desbota a negra ausência
Minha paixão desmedida:
Menoscaba o amante a morte:
Tem poder além da vida.
4ª.
Amor é nobre paixão,
No centro da alma nascida:
Pois que a alma não morre; Amor
Tem poder além da vida.
5ª.
Contra mim do mundo inteiro
Vejo a fúria convertida:
Se eu morrer, amor não morre:
Tem poder além da vida.
6ª.
Não só tem amor a terra
A seu império rendida,
Também domina os Elísios:
Tem poder além da vida.
7ª.
De eterno amor sacra jura
Há de ser por mim cumprida;
Não tremas; que amor me guia:
Tem poder além da vida.
Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva.
1787 – Nasce, na vila de São João de Parnaíba, Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, filho Antônio Saraiva de Carvalho e Margarida Rosa da Silva. .
1793 – Aos 6 anos de idade teria sidos enviado, pelos pais, para iniciar seus estudos, em Portugal. 1
1805 - Matricula-se no curso de Direito da Universidade de Coimbra.
Publica, em Coimbra, na Imprensa da Universidade, se livro de estréia, Poemas.
1811 – Conclui o curso de Direito em Coimbra
1812 – Retorna ao Brasil, sendo nomeado juiz da cidade de Mariana, em Minas Gerais.
1821 – Eleito representante do Piauí, junto às cortes constitucionais de Lisboa, renuncia ao mandato, assumindo o suplente.
Pe. Domingos da Conceição.
1852 – Falece, a 11 e3 janeiro, na cidade de Barra do Piauí, Estado do Rio de Janeiro.
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1 – Informações extraídas da obra de João Pinheiro, Literatura Piauiense, escorço histórico, Teresina, Imprensa Oficial, 1937.
2. Conforme o soneto LXI, de Poemas, p. 66.
"E contudo anos seis, à pátria amada
Arrancaram-me os com vis enganos."
ODE A ANIBAL
Cartado exulta; sucessor de Asdrúbal,
Empunha o ferra denodado Aníbal;
Da idade no botão da Márcia tuba
Escuta os sons alegre.
Da Caixa rouca aos terradores ecos
Os Vaceus, os Vetões, desmaiam, tremem;
E mal no punho lhe ressumbra o ferro,
Vaceus, Vetões se acurvam.
Tragam Sagunto labaredas roxas
A crespa face do Verão brioso;
Antes o fogo, que os grilhões anelam
Os Saguntinos povos.
Soberbos arraiais, barracas, campo
Nas correntes do Ebro ufano assenta,
Posterga os Pireneus, sopeia os Galos;
Do Reno as ondas cruza.
Transmonta os Alpes nuveados, frios;
E arrojando o terror além da Ibéria,
Faz a Itália tremer, levanta nela
O teatro de Marte.
Roma desmaia, o resplendor de Roma
Vendo o Cartaginês desbota, e murcha;
Lá Públio Cipião encontra ousado
O Herói de Cartago.
Nas margens do Tecim dardejam golpes;
Os escudos estalam, ferve a guerra;
Roma! ferido teu herói desmaia...
Perdestes a glória, os louros...
Qual o torvo furacão, Semprônio voa,
Fuzilam ferros, lá sucumbre em Trébia...
O arrogante Flamínio é derrotado
No Trasimeno lago.
Paulo Emílio, Varrão lá marcha ao Campo,
Roma, ó soberba! lá se turva a Esfera...
Os Numes já cansaram, curva aos Numes
Adora altos mandados.
Roma, ó soberba, ó arrogante Roma,
Nem sempre os torreões o raio afrontam;
A flor dos cidadãos lá murcha; Canas
Juncada de Romanos...
Púnico General lá bate as portas
Da consternada, da convulsa, Roma;
Gemido aos anciãos, e pranto às virgens,
Acode aos lábios frios.
O último dia te daria, ó Roma,
Se a Cápua, se a risonha Cápua foge;
Mas sequer te mostrou, que era o soberbo
Alarico vindouro.
QUADRA
Que eu fosse enfim desgraçado;
Escreveu do Fado a mão;
Lei do Fado não se muda;
Triste do meu coração.
GLOSA
1ª.
Tanto que por vez primeira,
Vi de Febo os resplendores,
Do Fado, o númem de amores,
Desce a grota de carreira
Uma sorte lisonjeira
Me pediu, amor ao Fado:
Mas ai de mim! malogrado
Foi o rogo de Cupido...
Fado tinha decidido,
Que eu fosse enfim desgraçado.
2ª.
Sai da gruta, ardendo em fogo
O Deus, que rege os farpões:
Esperando ocasiões
De me aproveitar seu rogo:
Aos Olimpos voa logo,
Fervendo em negra aflição:
Patenteia a Jove então,
Que eu seria desgraçado,
Que assim no livro do Fado
Escreveu do Fado a mão.
3ª.
Amostra Jove a Cupido
Um semblante gracioso,
Depois de ao Númen raivoso
Atras queixas ter ouvido,
"Eu não posso, ó Deus de Gnido,
(Diz-lhe o Deus, que tudo estuda)
Mudar sorte carrancuda,
Em sorte amiga e lustrosa.
Lei do Fado é lei forçosa,
Lei do Fado não se muda.
4ª.
Em vão forcejas, ó Nume,
por adoçar minha sorte;
Hei de beber té à morte,
Do fado o negro azedume,
Terei a dor por costume,
O mal, a mágoa, a aflição,
Sociedade, ou solidão,
Não terá gosto pra mim,
Determina-o Fado assim;
Triste do meu coração.
ANTOLOGIA DE SONETOS PIAUIENSES [por] Félix Aires. [Teresina: 1972.] 218 p. Impresso no Senado Federal Centro Gráfico, Brasília. Ex. bibl. Antonio Miranda
SONETO
Passaram lustros três, e mais três anos,
Que à estância dos mortais volvi do nada;
Mas bem que ainda não seja adiantada
Minha idade, sofrido hei já mil anos.
Além dos torvos mares desumanos,
Recebi de meus pais a vida ervada,
E, contando anos seis, à pátria amada
Arrancaram-me os pais com vis enganos.
Desde então me arrepela a voz maldita
Da desgraça letal, o braço forte,
E sobre os tetos meus o mocho grito;
E, se não me enganei, nos céus... ó sorte!
Esta sentença li com sangue escrita:
— “Em breve lutarás com a torva morte”.
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Página ampliada e republicada em abril de 2023
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Página ampliada e republicada em novembro de 2022
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/piaui/piaui.html
Página publicada em fevereiro de 2022
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